apresentação
Interstellar Rising (um nome que intencionalmente não significa muita coisa) foi uma tentativa de testar um série de pequenos experimentos em mecânicas tradicionais de RPGs em uma interface a base de texto, iniciando experimentações em ficção interativa e sistemas narrativos, algo que me interessa muito.
você joga como uma espécie de mercenário, realizando trabalhos variados que vão de assassinato a escolta, em um sistema espacial gerado proceduralmente e composto de planetas, luas e asteróides. o jogo é estruturado em missões, que consistem de um único encontro narrativo, resolvido provavelmente com uma única escolha narrativa. no meio tempo, o jogador também pode passear por qualquer local no sistema, visitando locações onde ele pode conseguir serviços e pedindo a ajuda a um pequeno conjunto de personagens, também gerados proceduralmente, que possuem aptidões variadas.
tela título do jogo |
estrutura
o sistema que você habita é composto por sete locações, planetas, luas e asteróides, apesar da diferença ser puramente cosmética. cada locação tem quatro estabelecimentos que podem ser visitados pelo personagem, um nível de influência que o personagem possui naquele local, um nível de influência que cada grupo possui no local e uma opinião que essa locação possui do personagem.
o jogador pode passear livremente pelo sistema, visitando o lugar que quiser, e utilizando os serviços prestados pelos estabelecimentos. entretanto, um único estabelecimento por locação pode ser usado até que o jogador complete uma nova missão. da mesma forma, o jogador pode ser dirigir aos personagens do jogo e pedir favores, mas cada personagem só presta um favor até que uma missão nova seja completada.
as missões, portanto, estruturam o jogo e determinam seu ritmo, criando um semblante de "capítulos" , ou sessões, mesmo para as ações realizadas fora delas. queria dessa forma permitir um jogo aberto que ainda tivesse um controle mais firme do seu ritmo e mantivesse o jogador numa linha mais coesa. espero também que essa estrutura convide o jogador a relacionar as ações no mundo à missão que está realizando, dando uma coesão maior ao que ele faz.
narrativa
toda missão é um evento narrativo que pode ser acessado na locação na qual ele acontece. eventos narrativos são encontros em que o jogo precisa escolher uma opção de ação para realizar, podendo ter então sucesso ou fracasso nesse encontro. quase todo encontro é muito simples e requer apenas uma única escolha de ação.
eu acabei decidindo no começo do projeto que iria programar o sistema narrativa com uma ferramenta que não compreendia muito bem ainda e isso me engessou muito no seu desenvolvimento. queria que os encontros narrativos fossem mais complexos, possivelmente procedurais e assim muito mais variados. o que deu para implementar foi algo muito muito simples. existe uma pequena variedade de encontros que se repetem com frequência e a única variação na experiência é a forma com que você decide ter sucesso neles.
escolhas narrativas em eventos tem uma certa chance de sucesso dependendo do tipo de ação que ela é e da sua aptidão naquela ação. algumas escolhas tem chance de sucesso garantida, mas só podem ser escolhidas se o jogador tiver um nível mínimo de influência naquele local.
estabelecimentos são eventos narrativos também em que a maioria das ações tem sucesso garantido com a influência necessária para tomar aquele serviço, como comprar um item no mercado, mas também podem ter ações com possibilidade de fracasso, como roubar um banco.
queria que qualquer coisa que o jogador precisasse, como um item, ou influência em um local, pudesse ser obtida por uma variedade de meios, cada um precisando de uma preparação ou incorrendo em consequência diferentes. comprar um item exige do jogo conseguir influência suficiente no local do mercado, seja completando missões ali ou pedindo favor a um personagem rico, mas ele pode sempre tentar roubar o item, o que levaria ele a nunca mais poder usar aquele mercado novamente. algumas ações podem ser realizadas tanto por personagens quanto por estabelecimentos, mas as duas coisas implicam num procedimento diferente com chances de sucesso e custos diferentes, etc.
tela de narrativa com as opções narrativas de tipos variados |
ações e atributos
odeio a forma tradicional com que jogos lidam com atributos. se quase todos os atributos simplesmente te levam a dar mais dano, só que com armas ou habilidades diferentes, eles são só um jeito teoricamente menos restritivo de restringir armas por classe ou criar fraqueza em inimigos por certos tipos de ataque. acho muito insatisfatório.
queria um equivalente a atributos que realmente me fizesse sentir que estou habitando um papel diferente investindo em uma coisa e não na outra. tentei explorar isso nesse jogo criando quatro (na verdade meio que cinco) tipos de ação que uma escolha narrativa pode ter, permitindo que o jogador tenha aptidões variadas em cada tipo de ação.
enforce (forçar), deceive/ hack (enganar/ haquear), negotiate (negociar) e convince (convencer). tentei dar a cada tipo de ação uma textura realmente diferente da outra dando efeitos e consequências inerentes para cada tipo de ação independente da escolha narrativa. dessa forma, uma escolha narrativa tem efeitos próprios dependendo do jogador ter sucesso ou fracasso, mas sua ação também implica em um efeito recorrente e previsível que o jogador sempre vai levar em consideração.
enforce envolve forçar sua vontade nos outros, seja por ameaças, autoridade ou violência física e sempre leva o alvo da ação a diminuir sua opinião de você independente de sucesso ou fracasso.
deceive/ hack tem o mesmo efeito um em relação ao outro, você busca conseguir o que quer enganando o alvo. se a ação for bem sucedida, ele não fica sabendo e você não perde opinião com ele. se a ação for um fracasso o alvo diminui a opinião que tem por você. deceive tem a vantagem em relação a enforce de possibilitar que o alvo não diminua a opinião, mas também costuma ter uma chance de sucesso bem menor e precisar de mais preparação.
negotiate nunca leva o alvo a diminuir a opinião por você, já que não envolve violência ou trapaça, mas tem sua chance de sucesso levemente dependente de uma opinião positiva por parte do alvo e necessita que você entregue um de seus itens para ele como contrapartida caso a ação seja um sucesso. negotiate então depende de uma relação boa com as pessoas e locações e um fluxo constante de itens.
a última ação é a que envolve o menor custo e consequência por parte do jogador, mas é completamente dependente de uma relação positiva com o alvo, convince. esse tipo de ação basicamente só tem a menor chance de sucesso com alvo aliados e ainda assim vai tender a ser menor que outros tipos de ação, mas não custa nenhum item e nunca tem consequências negativas no fracasso.
devido às limitações do sistema narrativo, eu não acho que esse sistema foi bem explorado, mas eu amo a idéia e quero explorar isso bem mais no futuro.
locações e estabelecimentos
as locações são geradas proceduralmente, de um jeito muito simples, quatro estabelecimentos aleatórios, um panorama puramente visual, uma opinião do jogador e seu nível de influência e a influência dos grupos no local.
para tentar tornar as locações mais concretas que apenas um agrupado de estabelecimentos, adicionei a regra que o jogador só pode usar um único estabelecimento de uma locação por missão. isso ajuda a limitar um pouco a capacidade do jogador, impedindo as coisas de saírem do controle, e cria uma relação mais forte entre os quatro estabelecimentos de uma locação.
a geração procedural desses locais fica um pouco mais forte agora, mesmo selecionando os estabelecimentos de forma aleatória. os locais A, B, C e D não podem ter nada em relação um com o outro a priori, mas ganham uma relação forte quando estão juntos por se tornarem mutualmente excludentes. estabelecimento A ganha a característica de não poder se usado simultaneamente com B, C e D. a seleção aleatória de quatro estabelecimentos se torna significativa de forma inerente, sem o significado para esse conjunto precisar existir anteriormente.
de um modo geral me incomoda essa sensação em jogo abertos de que se pode fazer tudo a qualquer momento. o jogador pode ter tudo, ver tudo, ler tudo, evoluir tudo, conhecer tudo. no máximo o jogador faz decisões mutualmente excludentes em momentos muito discretos como escolha de classe, facção e etc. a sensação que me passa é o mundo do jogo perde uma relação geográfica, que os elementos do mundo perdem uma relação forte uns com os outros e o jogo vira só um balde de coisa para o jogador experienciar de forma completa na ordem que tiver vontade. não permitir que todos os estabelecimentos de um local sejam usados de uma vez foi um jeito pequeno, mas constante e granular, que eu tentei de explorar algo diferente.
a tela das locações, com acesso aos estabelecimentos |
grupos e personagens
personagens tem uma certa opinião do jogador, um certo nível de influência em todas as locações do sistema, fazem parte de um grupo e possuem uma profissão. o jogador pode pedir favores aos personagens com três possibilidades de ação: ameaçar o personagem caso o jogador tenha um item específico que representa informação sobre esse personagem <enforce>, negociar com o personagem entregando um item em troca <negotiate> ou só pedir pelo favor <convince>.
personagens podem prestar dois tipos de favor, permitir que o jogador use a influência do personagem em alguma locação até o final da sua missão atual ou prestar algum serviço dependendo da profissão do personagem. os serviços prestados pelos personagens são os mesmo que os prestados pelos estabelecimentos. personagens com caráter político podem aumentar ou diminuir o poder de um grupo em uma locação. hackers e espiões podem obter itens de informação sobre algum alvo. artistas e social influencers podem melhor a opinião de um personagem em uma locação e por aí vai.
grupos são apenas agrupamentos de personagens que possuem uma certa influência em cada locação do sistema, indo de 0 a 100%. esse número é abstrato, mas o grupo com a maior porcentagem de uma locação tem influência na opinião que ela tem do jogador. da mesma forma, a opinião que os membros de um grupo tem do jogador altera a opinião que o próprio grupo tem do jogador.
se a maioria dos membros de um grupo tem uma opinião positiva, esse grupo com o passar do tempo vai pender para uma opinião mais positiva, a depender da intensidade da opinião dos membros. o mesmo para opiniões negativas. a influência dos grupos nos planetas funcionam da mesma forma, a opinião do planeta vai sempre pender para a opinião do grupo dominante.
queria que isso tivesse sido bem mais dinâmico que acabou sendo e que o jogador se sentisse mais motivado a se envolver com esse sistema de opiniões. a opinião afeta a probabilidade de ações de <convince> e <negotiate> e pode levar encontros narrativos agressivos a gatilharem em locações com opiniões muita baixas, mas ainda assim queria que fosse algo um pouco maior. personagens novos são inseridos no jogo muita raramente e eles nunca mudam de grupo, então a opinião nos grupos acaba tendo pouca flutuação para o sistema ser dinâmico.
a opinião afeta de forma mais forte o oponente no nível dos personagens, provavelmente. poder conseguir favores com eles com uma ação de <convince> é muito vantajoso.
a tela de contato com os personagens |
arquétipos e traits
os arquétipos e traits foram um jeito de lidar tanto com a questão de objetivos tanto quanto a ideia de classes ou árvores de habilidades. traits são características que o jogador adquire e mudam sua aptidão para certas ações. arquétipos são traits especiais que o jogador ganha quando joga de uma forma especial e específica e cumpre certos pré-requisitos.
traits normais refletem um sistema escondido que registra toda ação que o jogador realiza. quando o jogador usa uma ação de um certo tipo, esse tipo aumenta em um contador escondido e todos os outros tipos de ação diminuem um pouquinho. dessa forma, se um jogador usar um certo tipo de ação o tempo todo, essa ação atinge um nível arbitrário nesse contador e o jogador ganha uma trait que aumenta sua aptidão nessa ação. da mesma forma, se o jogador nunca usa um certo tipo de ação, ela diminui o suficiente no contador e o jogador ganha uma trait diminuindo sua aptidão nessa ação.
ao contrário de habilidades normais em rpgs, em que o jogador escolhe uma habilidade para se tornar mais forte, ou aumenta o número de um atributo, as traits nesse jogo refletem as ações do jogador. para ser mais forte em <convince> ele precisa efetivamente usar muito, mas ao mesmo tempo, ele enfraquece em <convince> se não usar nunca. esse sistema busca tornar cada ação do jogador significativa de um jeito pequeno e granular e passar a sensação de que o jogo está "escutando" e prestando atenção no que o jogador faz.
arquétipos buscam fazer algo similar. cada arquétipo tem uma lista de pré-condições e concedem uma trait especial quando cumpridas. "Knee-Breaker" requer que o jogador ameace vários personagens. "Gentleman Thief" que ele cometa vários roubos bem sucedidos sem usar ações do tipo <enforce>. a ideia é que os arquétipos reconheçam atos interessantes do jogador e registrem isso de forma concreta no seu personagem.
gráficos e interface
eu estava fazendo um jogo mais complexo pela primeira vez, programando, fazendo o design e os gráficos sozinha, então queria um estilo que fosse visualmente simples, mas dinâmico. escolhi algo mais gráfico, com elementos representativos muito esporádicos, como o panorama dos lugares e os retratos dos personagens.
a interface de caixinhas lado a lado é uma influência bem orgânica de jogos antigos, especialmente jogos de PC dos anos 90, mas também de histórias em quadrinho e fotografia. a natureza da fotografia é o índice, a fotografia produz esse pequeno índice de um momento ou coisa, que pode ser exibido ao lado de outros índices, mas existe enquanto recorte auto contido. gosto de uma UI que apresenta os elementos do jogo pro jogador com uma relação mais abstrata entre si, passível de ser manipulada por mim muito facilmente. o jogo comunica a relação entre seus elementos, mas não precisa representá-la. eu posso mostrar um local ou uma pessoa e dizer que um certo símbolo ou palavra está associado a eles, coisas desse tipo.
para deixar o jogo dinâmico escolhi animar quase que apenas coisas gráficas. as telas tem glitchzinhos constantes que ficam aparecendo e desaparecendo e as conexões entre as caixas são animadas e sugerem dados sendo transmitidos entre elas (eu espero). a única representação gráfica animada são os retratos em rotoscopia, em que a baixíssima taxa de quadros contrasta tanto com o movimento naturalista quanto com o movimento constante das linhas pretas.
sumário e conclusão
meu objetivo com o jogo foi criar um mini sistema de rpg em que cada ação seja significativa, não por conta de escolhas narrativas grandes que mudem a direção da história, mas de forma granular no sistema do jogo, com consequências pequenas para cada ação realizada e escolhas mutuamente excludentes.
não queria um modelo de "role-playing" em que o jogador escolhe classes e skills que comunicam o tipo de personagem que ele é, mas um jogo que realmente requeira que o jogador se comporte de uma dada forma e reconheça e registre isso de forma concreta.
o jogo acabou sendo uma experiência valiosa para mim enquanto designer e programadora, além de um rascunho interessante das ideias de design, mas foi restringido pela minha falta de experiência e por escolhas ruins de ferramenta. quero muito revisitar essas ideias no futuro.
o jogo teve música realizada por Ra Irigaray e pode ser encontrado aqui, em um estado jogável espero eu: https://umunum.itch.io/interstellar-rising
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